domingo, 4 de dezembro de 2011

O Plebiscito e a desastrada intervenção do governador Simão Jatene


Se eu fosse Jatene, demitiria o assessor que teve a desastrada idéia de sugerir que o governador interferisse nessa batalha da divisão do Pará.
  
Além disso, também realizaria uma sessão básica de autoflagelação. Afinal, um político escolado, passado na casca do alho como Jatene não tem direito a esse tipo de escorregão.

Ao declarar seu apoio aos antisseparatistas e, mais do que isso, entrar de cabeça na campanha do “não”, Jatene se expôs de maneira absolutamente desnecessária e virou espécie de Judas em Sábado de Aleluia.

Ora, se os antisseparatistas estão, de fato, tão à frente dos separatistas, como dizem as pesquisas do Datafolha, por que, cargas d’água, Jatene tinha de meter o bedelho nisso?

Acaso imaginou que, por ter uma pá de deputados da base aliada nas fileiras separatistas, escaparia incólume ao ônus dessa decisão?

Acaso imaginou que os benefícios políticos na Região Metropolitana e Nordeste do Pará seriam maiores do que os custos no Baixo Amazonas e no Sul e Sudeste do Pará?

A exposição de Jatene nessa batalha terrivelmente passional traz uma série de problemas aos tucanos e, quem sabe, até à própria governabilidade.

Pra começo de conversa, se o “não” vencer, com que cara, com que perobal, Jatene pousará nos municípios do Baixo Amazonas e do Sul e Sudeste do Pará e se dirigirá aos cidadãos dessas regiões?

O que está em jogo é um sonho, uma esperança de décadas dessas populações.

E ao perfilar ao lado dos antisseparatistas, Jatene passa a ser visto como um dos comandantes, se não o comandante, dos exércitos que frustraram tais sonhos, tais esperanças.

Isso deve ter aberto uma ferida profunda no coração dessas pessoas, até porque, até o domingo retrasado, Jatene adotava a postura (que era de fato a correta) de permanecer em cima do muro.

E aquela postura anterior – que, por facilmente explicável, certamente provocaria ressentimentos bem menores  - também lhe traria melhores condições de circular entre vencedores e vencidos no “day after” do Plebiscito.

Aí sim, o papel de “pacificador” poderia prosperar, a garantir um pouco mais de tranqüilidade a todos nós acerca do que virá depois do 11 de Dezembro.

Mas se nem o governador terá condições morais para aplacar os ânimos, o que será de nós?

A primeira materialização dessa enorme frustração popular em relação a Jatene deve ocorrer já nas eleições do ano que vem.

É difícil dizer até que ponto será possível capitalizar na Região Metropolitana e no Nordeste do Pará, nas próximas eleições municipais, uma eventual vitória do “não”. 

Nessas duas regiões, a questão é muito mais pragmática do que emocional.

Ninguém nunca sonhou em não separar o Pará; ninguém fez da não-separação uma espécie de panacéia.

A bem da verdade, Belém e o Nordeste do Pará sempre se lixaram para o Baixo-Amazonas e o Sul e Sudeste do Pará, que só conhecem de cartões  postais, da reportagem de alguma revista ou quando resolveram pegar uma praia, nas férias.

Assim, muitos dos eleitores do “não” votarão, até sem o saber, movidos simplesmente por um orgulho besta de um Pará que só é realmente gigantesco nas mazelas sociais.

Ou, ainda, porque acreditam, pragmaticamente, que o Pará terá prejuízos com a separação, o que tenderia a piorar a própria vida.

Tais “cálculos” ou sentimentos, no entanto, tendem a se esvair rapidamente nas lides cotidianas, ou na primeira fila do Pronto Socorro da 14 de Março.

O mesmo não se pode dizer, no entanto, do sentimento incrustado, cristalizado, no coração dos habitantes do Baixo Amazonas e do Sul e Sudeste do Pará.

Tal frustração, com certeza, se refletirá nas urnas, nas próximas eleições municipais, podendo gerar verdadeiras fortalezas antitucanas nessas regiões, a deixar os aliados do governador em posição muito, muito difícil.

Para isso nem será preciso grande esforço das oposições: basta colar no adversário a imagem “quentinha”, recente, de “satanás” e de “traíra” que agora deve ter Jatene aos olhos dessas populações.

A exposição do governador também traz à tona uma constatação que talvez Jatene não quisesse sob os holofotes: a de que a sua aceitação popular, neste primeiro ano de governo, não é nenhuma Brastemp.

Afinal, quem tentaria colar no adversário a imagem de um governador que estivesse muito bem no conceito popular?

Isso seria uma tremenda burrice – e burro é coisa que Duda Mendonça nunca foi.

Se os separatistas usam a imagem do governador como coisa negativa é porque devem ter pesquisas que demonstrem que esse é, de fato, um bom negócio.

E se Jatene já vai mal das pernas no primeiro ano de governo, quando tudo com a população tende a ser uma doce lua de mel, que dirá daqui a quatro anos, com o natural desgaste provocado pela governança?

Para reverter isso será necessário um enorme esforço de investimentos, nem que seja para erguer um mundo de vistosos elefantes brancos...

Mas Jatene terá dinheiro para isso?

Ou a nova taxa de controle sobre a mineração é a pecinha que faltava nesse quadro?

Aliás, os separatistas dizem que tal projeto é apenas midiático, “eleitoreiro”, já que seria até ilegal.

No entanto, uma leitura cínica dessa taxação permitiria acreditar que tudo não passa de combinação com a poderosa Vale, para injetar mais dinheiro legalmente no Pará de Jatene.

Afinal, a Vale parece ter em Jatene a sua “menina dos olhos”, já que foi a principal financiadora, através de triangulações, das campanhas eleitorais do atual governador, em 2002 e 2010 (tem matéria no blog sobre isso, mas já nem sei onde).

E o que significam R$ 800 milhões (a arrecadação anual que será gerada pela nova taxa) para quem, como a Vale, lucrou R$ 30 bilhões no ano passado?

E um lucro, diga-se de passagem, obtido a partir da exploração das riquezas do estado do Pará, onde 70% dos adolescentes não conseguem concluir nem mesmo o ensino fundamental; onde há 30 mil analfabetos entre 12 e 17 anos; onde um quarto dos meninos e meninas sobrevive com R$ 136,00 por mês; onde, em boa parte do território, inexiste até mesmo redes de água e saneamento.

Mas voltemos ao Plebiscito.

Não poderia ter sido mais desastrada a intervenção de Jatene nessa questão, até pelo tom de seu artigo, publicado no jornal O Liberal do último dia 20.

Nele, Jatene praticamente acusou a campanha separatista de um “vale-tudo”, que poderia até resultar na divisão da população paraense.

No entanto, com um pouco mais de inteligência e menos paixão, Jatene talvez tivesse percebido que quem está a aprofundar a divisão das populações que habitam o hoje estado do Pará é a campanha dos antisseparatistas, com esse lári-lári do açaí e do tacacá.

A campanha antisseparatista é essencialmente xenófoba, apelando para os piores sentimentos dos paraenses – e eu posso falar de cátedra porque sou paraense da gema.

A campanha antisseparatista “vende” as populações do Baixo Amazonas e do Sul e Sudeste do Pará como se fossem “forasteiros”, “oportunistas”, que aqui chegaram com uma mão na frente e outra atrás, se deram bem, e agora querem nos dar um pé na bunda.

E, no entanto, não há uma linha de verdade nessa gororoba xenófoba.

Os cidadãos do Baixo Amazonas e do Sul e Sudeste do Pará são brasileiros que ocuparam regiões que os habitantes de Belém nunca se interessaram em ocupar.

E quando essas pessoas chegaram ao Baixo Amazonas e ao Sul e Sudeste do Pará, não encontraram um “Paraíso”, não: passaram é muita fome, trabalharam de sol a sol; enfrentaram, como ainda enfrentam, a ausência do Estado e o faroeste que sempre se estabelece na movimentação de grandes massas humanas sem qualquer planejamento.

Não são “bandidos”, “estrangeiros”, “mercenários”, “aproveitadores”; não são nem melhores nem piores do que nós, aqui de Belém.

São apenas cidadãos em busca de uma vida melhor, como todos somos.

São, enfim, nossos irmãos de Brasil.

E quem discorda da opção que fizeram maciçamente pela separação (e as pesquisas mostram claramente isso) tem é de buscar argumentos de fato, e não essa gororoba preconceituosa e mesquinha.

Assim, em vez de tomar partido nessa batalha, melhor teria feito Jatene se, por debaixo dos panos, pedisse aos seus aliados antisseparatistas que maneirassem no tucupi.

Mas isso só seria possível a um governante que estivesse de fato preocupado com o day after desse Plebiscito.

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