quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Peripatos - Pelo direito aos sete palmos de terra

Matéria extraída do blog do Jota Ninos


Na semana passada escrevi, na edição regional do Diário do Pará, um artigo em minha coluna Peripatos, relacionado com o Dia de Finados que se comemora amanhã e que ainda não havia postado aqui, mas o faço agora:
Não é nada divertido atravessar um “campo santo”, mesmo que sejamos céticos acerca de teorias kardecistas. Pior ainda quando ainda não vencemos o medo da morte. Mas fazer um “peripatos taciturno” pode ser a oportunidade de, com perdão do trocadilho, “exorcizar alguns fantasmas”. A última (e quiçá, única) vez que passei por este caminho – sem o dever de ofício de repórter – foi há cinco anos, quando carreguei, inclusive, o féretro do grande amigo Sérgio Henn.A uma semana do Dia de Finados, atravesso por dentro dos cemitérios de N. S. dos Mártires e São João Batista para ver de perto a movimentação que antecede a data. Mas há pouco para se ver: tijolos e areia começam, aos poucos, a serem acumulados no lado de fora; uma mãe negocia com o pedreiro detalhes da reforma do túmulo do filho que morreu num acidente; um casal contrata o jardineiro para cuidar das flores plantadas no jazigo familiar; mais adiante, três pessoas conversam com um rapaz para assumir a tarefa de “segurança especial” de três mausoléus!
É isso mesmo! Além do vigia do cemitério, encontrei “seguranças particulares” que tomam conta de alguns sepulcros para evitar depredações e vandalismos. “Tem gente que arranca a cruz de uma tumba e coloca em outra”, me confidencia um dos vigias contratados. “Não tem caminho entre os jazigos, e quando passam com um caixão, acabam batendo numa lápide e trincando o mármore, ou arrancando alguma cruz”, justifica um abnegado pai cuidando do túmulo do filho.No tour pelos cemitérios do centro da cidade, caminha-se precariamente num emaranhado de cruzes, lápides ou cercas de ferro. “Tem vezes que a gente passa com o túmulo por cima do outro para chegar à cova do morto”, diz um coveiro informando que ali só se enterra um corpo se a família tiver jazigo. “Novos enterros só no Cambuquira e Mararu, mas até lá os espaços estão acabando”. Diante da revelação me bate um desespero: estarei fadado a não ter consagrado o meu direito de ter pelo menos sete palmos de terra? Ou como diria Chico Buarque, “a parte que te cabe neste latifúndio’?
Uma lápide me chama atenção: “O que seria de nós, mortais, se todos fossemos eternos?”. Pelo jeito, em Santarém a máxima serve tanto para quem está fora como pra quem pretende se abrigar na “futura morada”.Enquanto isso, ninguém se preocupa com a definição de uma área que sirva para um novo cemitério, dentro dos padrões modernos e com o mínimo de organização e arruamento, para que o descanso eterno não seja violado.
Será que os mortos terão que se rebelar e fazer uma manifestação contra o “descaso das autoridades”, numa repetição das cenas do romance “incidente em Antares”, de Érico Veríssimo, ou de “A volta dos mortos vivos”, filme classe B, de George Romero?

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